20.2.05

 

Fim de Campanha

Termina hoje, daqui a menos de uma hora, a regulamentar campanha eleitoral para as eleições legislativas, novamente antecipadas, desta feita em resultado da decisão do Presidente da República de dissolver o Parlamento, de cujo apoio maioritário emanava a força do Governo.

Pode naturalmente discutir-se a lisura do processo de dissolução escolhido pelo Presidente Sampaio, mas não pode escamotear-se a responsabilidade do Governo, cuja desnorteada actuação não fez senão multiplicar episódios que diminuíram progressivamente a sua autoridade e a sua credibilidade, levando a uma natural resignação dos cidadãos com a sua adivinhada sorte final, tão precoce e ingloriamente ocorrida.

Os cerca de dois meses e meio que decorreram desde o seu anunciado fim até ao presente foram de um enorme desalento geral e, em particular, os últimos quinze dias, destinados à campanha eleitoral da praxe, tornaram-se quase desesperantes.

Soltaram-se então as habituais demagogias, com as mais despudoradas atitudes, promessas e afirmações, por parte dos putativos candidatos a Deputados da Nação, pobre dela, e dos chefes das bandas partidárias.

O consabido espectáculo mais uma vez se montou e realizou nos mesmos locais, para as mesmas plateias, pouco alteradas nas suas composições, em que preponderam as claques partidárias arregimentadas pelos vários níveis de poder dos Partidos que lhes prometem lugar à mesa do orçamento, se forem bem sucedidos na refrega eleitoral.

Imensa mole de gente interesseira agita então as ruas e as praças do país, iludindo os incautos que assim colhem a impressão de um grande apoio popular às diversas representações partidárias. À noite, na TV, vê-se e aprecia-se «a festa popular» em que as figuras principais dos partidos repetem até à exaustão as banalidades e as inconsequências do costume, com o ar mais natural e descontraído deste mundo.

Tudo isto voltámos a ver, desencantados e enfastiados, como um dever que se cumpre sem nenhum entusiasmo, mais como uma resignação. A chamada classe política, hoje mais desacreditada do que nunca, não consegue elevar o discurso, para além dos chavões triviais, num simulacro de antagonismo e divergência absolutamente teatrais, na ânsia de arrastar o relutante eleitorado até ao dia da decisão.

Nada ou muito pouco do que era importante para o País se discutiu. Trocaram-se os remoques estudados, comentaram-se indefinidamente as peripécias e os episódios mais caricatos da governação e da campanha e deixou-se para as calendas o debate que interessava.

Os mesmos comparsas de sempre, que levam já décadas de tarimba, mesmo se ainda relativamente moços, voltaram à ribalta, saracotearam-se e espanejaram-se como sabem fazer, alguns de resto nada mais sabem fazer além desses apartes, pelo longo tirocínio nestas artes praticado, desde os bancos das escolas ou das universidades.

Gente que nunca teve outro modo de vida, que sempre desempenhou cargos de nomeação política, directa ou indirecta, que formou do mundo uma ideia absolutamente deturpada, pela posição artificial de onde habitualmente o contempla, que nunca verdadeiramente trabalhou, apresenta-se com irritante pesporrência aos eleitores seus concidadãos, com o intuito de vir a ocupar o poder e a traçar os destinos da Nação nos próximos anos, os que lhe forem possíveis, porque, desde 2001, que os Governos, sobrecarregados de geral incompetência, não chegam ao fim da legislatura.

A tudo isto assistem os cidadãos, atónitos, impotentes, enfadados, sem atinar com a resposta a dar a este triste espectáculo. A democracia sai, assim, banalizada, como coisa desinteressante, irrelevante, mera brincadeira de mau gosto nas mãos ávidas e inábeis dos corifeus partidários.

Dois partidos, em especial, medem a sua força eleitoral : o Partido Social-Democrático – PSD – pálida sombra de uma já muito longínqua formação social-democrática e o Partido Socialista – PS – que nada tem hoje de socialista, nem na doutrina, nem na prática, nem sequer nas cores das bandeiras, em que o branco e o amarelo substituíram há anos o vermelho dos antigos operários fundadores do movimento, nem tão-pouco nos símbolos, com a rosa, flor elegante e mimosa, em lugar do duro punho, directa imagem da força braçal do meio no qual as ideias socialistas se haviam forjado.

Dir-se-á que se trata de evolução exigida pelos tempos e pelas falências doutrinárias ocorridas no mundo, desde 1989 para cá. Será, mas muitas destas mudanças parecem artificiais, falsas, operações de mera cosmética, destinadas a iludir multidões, cuja característica principal é, como se sabe, a sua incapacidade de raciocinar, alienando-se, entregando-se a demagogos de verbo fácil, à medida que se avoluma a sua expressão numérica, como tantos exemplos na História, antiga e recente, amplamente nos mostraram.

Estes dois partidos, que têm ocupado alternadamente o poder nos últimos trinta anos, são hoje a causa principal do impasse em que nos encontramos. Enxamearam os corredores do poder, espalharam-se como vasos capilares pelo vasto corpo da Nação, parasitando-o e depauperando-o implacavelmente. Não têm ideologia, nem doutrina, apenas preservam e observam escassos princípios políticos que o tempo profundamente alterou. Vivem em grande parte impulsionados pela malta que deles se apossou para o assalto e a partilha do Poder, que distribuem, com maior ou menor generosidade, por aqueles que melhor ou mais incondicionalmente os servem.

Depurá-los desta ganga que os corrompe seria a primeira tarefa de uma regeneração há muito esperada, por ser geralmente sentida como uma necessidade vital. Sem essa prévia acção purgatória será pura fantasia qualquer iniciativa de regeneração.

Por aquilo a que assistimos, ainda não foi desta que tal sucedeu. No caso concreto do PSD, comprova-se que ele atingiu provavelmente o ponto mais baixo da sua história, em matéria de representação, credibilidade e organização. Tal prodígio custar-lhe-á certamente uma severa punição nas urnas.

Se tal lhe servir para desencadear uma profunda regeneração, ela poderá vir a cauterizar as muitas feridas e chagas que inconscientemente veio desenvolvendo nos últimos anos. Se, pelo contrário, ignorar o sentido da punição e persistir na inconsciência, apontando imaginários responsáveis, assim continuará a sua senda desastrosa, acentuando ainda mais a descaracterização com que surgiu aos olhos dos seus antigos eleitores, sobretudo na era Barrosista-Santanista.

No caso de a actual direcção, por obstinação, pretender adiar ou negar a necessidade de uma funda regeneração, só resta aos que ainda se motivam pela doutrina social-democrática, pugnar por uma vigorosa movimentação interna, buscando atrair para este desígnio algumas figuras notáveis, de prestígio intelectual e moral incontestáveis, como forma de concitar uma forte adesão entre os inúmeros decepcionados simpatizantes e militantes.

Se também esta diligência se mostrar infrutífera, subsiste a hipótese de formar uma nova organização para actuar na área da social-democracia, susceptível de cativar muita gente moderada, mas desiludida com a orientação desprovida de princípios doutrinários dos actuais grandes partidos, em particular dos que se reclamam desta mesma área ideológica, ainda que apenas em teoria.

Não parece restarem muitas outras alternativas, para além das aqui alvitradas. Atitudes como as defendidas por José Pacheco Pereira, no Público de 5ª feira, dia 17, são completamente incompreensíveis, ainda mais, vindas de quem nos últimos seis meses persistentemente criticou, e bem, a orientação política de Santana Lopes, no Partido e no Governo.

Dir-se-ia que se rendeu, tal é a incoerência manifestada, porque dizer que se vota no PSD e não em Santana Lopes não faz nenhum sentido. Se, por absurdo, grande parte do eleitorado viesse a seguir o despropositado conselho, Santana Lopes alcançaria certamente uma confortável votação, o que logo lhe permitiria argumentar com a legitimidade reforçada da sua liderança, ao mesmo tempo que desqualificaria todas as críticas anteriormente levantadas, apontando os seus autores à execração popular.

Não se percebe como JPP, intelectual muito experiente e avisado, senhor de uma notável intuição política, dotado de invulgar criatividade nas análises políticas que habitualmente desenvolve, nos múltiplos órgãos de comunicação em que intervém, desta vez toma uma atitude tão inconsequente, que anula e desacredita toda a sua argumentação anterior, laboriosamente urdida e amplamente apoiada.

É pena, porque decepcionou muita gente, frustrando a confiança política imediata dos que nele apostavam para se encontrar uma alternativa pós-eleitoral. Ainda que venha a rectificar a sua posição, deu já um sinal de enorme incorência política, que inevitavelmente enfraquecerá, aos olhos dos que nele confiavam, a sua ulterior actuação.

Veremos o que nos reservam os próximos tempos e se a apregoada vitória socialista se confirmará com a expressão divulgada nos últimos dias da campanha.

Custará a entender tal comportamento do eleitorado, que nem ao anterior líder socialista, António Guterres, já transitado do cargo de Primeiro-Ministro de uma completa legislatura, lhe concedeu a cobiçada maioria absoluta ; a ele, que era a eloquência melíflua e pose seráfica em pessoa, quanto mais a este algo azedo e irascível Sócrates, que quase só vive da manipulação de frases aparentemente de belo efeito, mas, na realidade, geralmente vagas, vazias de significado e sem a fluência torrencial de Guterres, facto que, indiscutivelmente, impressionava qualquer público que o escutasse. Até que finalmente se percebeu que tamanha verbosidade escondia uma doentia incapacidade de decisão, numa personalidade marcada por acentuada falta de carácter, condição que acabou por anular a excelência da sua preparação intelectual.

Aguardemos, pois, a decisão dos eleitores portugueses, cidadãos desta antiga e aventurosa Nação, hoje algo confundida e deprimida com o seu actual papel no mundo, que parece apostado em negar-lhe estatuto consentâneo com a nobreza dos seus pergaminhos.

Tempus omnia revelat/ O tempo tudo acaba por revelar.

AV_Lisboa, 18 de Fevereiro de 2005

Comments:
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